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Saudações!

O meu último contacto através de textos por mim redigidos e partilhados de forma geral com as famílias já remonta a outubro de 2020, após o início do ano letivo. Tais textos são o resultado do que vou sentindo e elaborando após cada consulta. Sim, os meninos permanecem em mim para além de qualquer presença em consulta.
Sendo que constato neste momento algo muito comum nos jovens, escutando eu de jovem para jovem que os sentimentos acabam curiosamente por serem verbalizados através de palavras iguais, acho chegado o momento desta minha partilha.
Na verdade, irá acontecer que algumas famílias reconhecerão partes deste texto, já enviadas em emails privados após as respetivas consultas, direcionados especificamente aos seus meninos.
De facto, tem sido fator comum, nas idades da adolescência, os jovens descreverem um humor que definem como muito estranho, pois não é cansaço nem propriamente tristeza, mas uma falta de motivação, ausência de objetivos, que os assusta por nem o que lhes interessava antes já lhes fazer sentido. Falta de força global. Nada lhes provoca gratificação, nada os entusiasma ou sequer os estimula.

Apatia, desalento, desânimo…
é o que sinto.

Nos mais pequeninos sinto aumento de irritabilidade, maior requisição da atenção dos adultos, ansiedades de separação, por vezes até com necessidade de companhia no quarto ao adormecer, que acaba por se prolongar na noite, com todas as consequências nefastas para a harmonia do seu desenvolvimento psico-afetivo e emocional…
Tal provoca-lhes grande inquietação pois são sentimentos que não conhecem num quotidiano “normal”.
Neste quotidiano pressupostamente “normal” estariam a acordar cedo, a despachar-se para cumprir as aulas presenciais, a conviver com os seus colegas nos recreios com mais ou menos empurrões, a participar nos seus desportos semanais, explicações, cursos extra-escolares… e a chegar ao final do dia a pensar que outro dia viria, igualmente atarefado.
Um ano nas suas vidas já vai marcando. Não só a duração como as limitações e incertezas inerentes, condicionando-os na sua aposta no presente e consequente projeção no futuro. A situação de confinamento acaba por alterar o próprio funcionamento orgânico/físico e naturalmente mental.
Por sua vez, os pais estarão compreensiva e desejavelmente importados com a manutenção da saúde e bem-estar familiar, em tensão permanente para que nada falhe; a saturação das relações familiares está a globalmente a intensificar, desejando eu que o Ministério da Educação encontre brevemente soluções seguras para o regresso à escola.
Agora, há que pensarmos que a pandemia não durará para sempre e quando tudo isto acabar (sim, irá acabar!), é importante que estejamos preparados para seguir em frente.
É neste alvo que temos de nos focar, prezando e supervisionando a boa manutenção física e emocional dos nossos meninos. O desenvolvimento cognitivo, no meu entender, é consequente a estas duas.

As propostas que se seguem são basicamente o resumo do que vai acontecendo de consulta em consulta, construção das minhas propostas mais ou menos adaptadas a cada situação, com o complemento do que também vou escutando desses jovens:

  • Escuta, sim, pode ser já a primeira da lista. Os pais queixam-se que os filhos se isolam, mas estarão os filhos a sentir-se devidamente escutados? Poderá ter a ver mesmo com o sentimento dos filhos, não só com a indisponibilidade dos pais… cabe aos pais atenção no que se poderá melhorar;
  • Partilha de sentimentos. Todo este ambiente de pandemia está a provocar em nós, qualquer que seja a idade que tenhamos, sentimentos estranhos, inquietantes, desconfortáveis.
    Perceber que não somos os únicos, valida os nossos próprios sentimentos, tornando-se mais fácil pensar sobre eles e organizá-los;
  • Dar valor ao que vamos tendo. Muito se fala que estamos numa guerra com um inimigo invisível, mas ao contrário das guerras onde há destruição de território, estamos em segurança nas nossas casas. Os mantimentos estão ao alcance de um supermercado. Os apoios sociais vão aparecendo de diversas fontes. A saudade de quem nos é importante pode ser atenuada com uma videochamada. Uma visita cumprindo todas as regras de cuidado pode ser o momento que nos dá alento para aguentar mais um pouco.
    Mais que lamentarmos não nos podermos abraçar, há que agradecer por estarmos, apenas;  O que está ao nosso alcance neste momento, para nos prepararmos para o que se seguir:
    • Manter rotinas : Horários (dormir/comer…), atividades específicas, definidas para cada dia e cumpri-las. Transmite uma sensação de se ter controlo no dia-a-dia. Programo e executo!
    • Quebrar rotinas: tão importante, como a regra é a exceção, que se torna valiosa por ser um momento especial, diferente. Por exemplo, poder-se aproveitar mais alguns minutos em família numa noite porque no dia seguinte o acordar pode ser mais tarde.
    • Manter algum exercício, de forma regular, nomeadamente fazendo uma caminhada próximo da residência, apostando em locais sem outras pessoas e aproveitando momentos que nos façam entender a evolução do dia, como logo pela manhã, à hora do almoço e no final do dia, aquando o por-do-sol. Mesmo quando não se saia, ir até à janela e absorver a hora do dia! Dentro da tranquilidade dos pais e responsabilidade dos filhos perante a situação, permitir um ou outro encontro com um amigo num desses passeios.
      Será organizador não só do corpo, mas também do funcionamento mental.
    • Apostar numa alimentação adequada, englobando uma gama de alimentos que nos proporcione uma nutrição saudável, tão necessária na resistência a qualquer situação de doença.
    • Prezar por uma higiene do sono, em quantidade e qualidade (9 a 10 horas de sono por noite nas crianças e nos adolescentes, sozinhos na sua cama, com ecrãs desligados no mínimo 1 hora antes de deitar, sem telemóveis no quarto ou no mínimo a dois metros do corpo e desligados, e jamais ligados à corrente elétrica a carregar. Evitar também televisões). Anular as luzes brancas a partir da hora do jantar, apostando preferencialmente nas luzes amarelas e de abaixa intensidade.

Segundo a OMS em indivíduos entre os 12 e 18 anos, 87% usam ecrãs durante a noite e 50% usam para adormecer, com consequências nefastas no seu funcionamento.

  • Transformar eventual medo em responsabilidade e serenidade. Perante os conhecimentos que já se vai tendo, sermos responsáveis por adotar as recomendações adequadas, passando a funcionar de forma rotineira/natural e serena. É nesta serenidade dos adultos que os nossos filhos se poderão fortalecer para seguir em frente.
  • Dar alternativas de ocupação de tempos livres para além “dos ecrãs”. Recomendações da OMS para o uso máximo de tecnologias:
    • Até aos 2 anos total ausência
    • Dos 2 aos 5 anos: 1h/dia
    • Dos 5 aos 10 anos: 3h/dia
    • Acima dos 10 anos, desejavelmente não muito mais que 3 horas…e nem todos os dias, digo eu!

Naturalmente em situação normal e para além do que neste momento o ensino à distância já exige! Nesta situação anómala de confinamento, poder-se-á ser mais condescendente, pois é a única forma de poder estar com os amigos. Neste texto abordei sobretudo a fase da adolescência, por ser a fase em que já por natureza há tendência para alguma individualização da família, com recurso a longos períodos no quarto, aparentemente em solidão… aparentemente pois o mundo está-lhes ao alcance de um “clic” e a informação que adquirem nem sempre colabora desejavelmente na sua formação pessoal e social.
Num estudo entretanto realizado em Portugal, estimou-se que cerca de 14% dos jovens entre os 13 e os 18 anos apresentam presentemente sintomatologia depressiva. Tão preocupante é o filho que se sente farto de estar em casa, com vontade de incumprir as regras de confinamento, como o que se mostra perfeitamente adaptado e confortável com esta situação.

Quando tudo isto acabar, é importante que todos nós estejamos preparados para seguir em frente. Esse momento deverá ser começado a preparar agora.
Definir objetivos para esse momento!
Elaborar agora uma lista de prioridades, mesmo escrita, ajuda-nos a projetar no futuro com serenidade.

Mesmo que essa lista possa ir sofrendo modificações até esse dia.

Dr.ª Elsa Martins
Médica Pedopsiquiatra

Convido a visitar a minha pagina do Facebook, onde encontrarão outros textos por mim já redigidos
https://www.facebook.com/elsa.martins.1217
pedopsi.elsamartins@gmail.com

Fontes e referências:
https://www.publico.pt/2021/02/24/p3/noticia/pandemia-impacto-negativo-saude-mental-jovens-portugueses-1951917?fbclid=IwAR1OFsmyoCF3665Kpte1W7V88ssNCoCNnQlr4Oa3fChgwYk8qgTnfrvTwbY

https://www.wort.lu/pt/sociedade/pandemia-causou-depress-o-elevada-em-14-dos-adolescentes-portugueses-6040e68cde135b9236faa9f7?fbclid=IwAR022tysZPYMrNzQMgV7MeVhJDWXTIWZyjQ0wX8iJpWCbpugKTNAR6FZnts

https://news.un.org/pt/story/2020/03/1707792?fbclid=IwAR2gOXC5sP5k-1qmMEVqwMDoLP8IBEJbmquyO8wCOmbC78XJRS9SDWE2uMo

https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232020006702479&tlng=pt&fbclid=IwAR0M98wPvcCIgvHz053MTqW1yMUyv3GqmJmwiHhsPWATbezesvsVj7AunuE