Encontrando-nos num momento de muita informação, que implica frequentemente muito ruído e desfocalização de assuntos verdadeiramente importantes, sobretudo quando não são para o imediato, importa parar um pouco e vislumbrar o que seria pressuposto ser a nossa vida daqui a três meses, se tudo fosse como antes… sobretudo para quem tem filhos menores.

Façamos então um regresso mesmo ao futuro, sobretudo se pensarmos que as nossas maiores preocupações neste momento são se afinal podemos ir à praia ou se sempre há determinada festa:

Ano letivo 2020/21

Assunto que parece ser muito longínquo, mas não podemos esperar por setembro e depois dizer que já não se pode fazer nada.

Então:
Estamos na terceira semana de setembro, de 2020 claro.
As creches e as pré-escolas já abriram na primeira semana.

Depois das angústias de separação inicial dos seus pais/cuidadores, os petizes lá vão ficando entretidos a crescer junto dos outros congéneres, acolhidos e orientados por quem estudou vários anos para essa missão de forma idónea, disponível apenas para tal, todos os dias. Brincadeiras, brigas, choros, descobertas sucessivas, com regras bem definidas, umas que confortam, outras que exigem. No final de um dia de trabalho, o reencontro com os pais, saudades mútuas e novidades a partilhar. Chegou a hora de carregar as “baterias” em casa pois o dia seguinte virá recheado de novas aventuras.

Para as idades escolares seja 1º. ou 12º. Ano, já fica para trás a azáfama da aquisição dos livros escolares e resta ainda adquirir mais algum material escolar específico para aquela disciplina… mas o reencontrar os amigos supera a hora matinal a que teve que acordar e aquela aula chata rapidamente é compensada com uma boa corrida ou conversa com o colega no intervalo seguinte.

A isto chama-se crescer, ou melhor, desenvolver, aferindo a nossa evolução como pessoa na relação com os outros, sejam os colegas, sejam os adultos.

Pois, mas não vamos esquecer como este último período letivo de 2019/20 terminou, com instauração do modelo de ensino distancia (E@D) no estado de emergência.
Na verdade, o E@D foi instaurado num tempo recorde, tendo suportado, da forma possível e exclusiva até ao 10º ano de escolaridade, o final deste ano letivo, com alguns resultados positivos, perante as condições pandémicas.
Porém assistiu-se as aulas em casa que não foram aulas, filhos que passaram a ser alunos dos pais, pais que não eram professores, mas tiveram que o ser, a par do seu teletrabalho onde era proibido baixar o rendimento laboral. Onde ficou a família? Onde ficou o reencontro do final de dia onde se desagua as novidades e se saciam as saudades? E o desenvolvimento das nossas crianças e adolescentes? Não tem botão de pausa… não segue dentro de momentos…
A inquietação e desgaste dos pais e a regressão dos filhos, quer a nível escolar quer a nível relacional é notória e geral. Filhos a terem comportamentos desajustados ao previsível da sua evolução e pais ansiosos, deprimidos… levando a disfuncionamento pessoal, familiar e social, como infelizmente já todos somos testemunhas através das notícias que repetidamente entram por nossa casa.
O que se observa neste momento é que a Pandemia está longe de ir embora.

Então como será o Ano Letivo 2020/21?

Sendo que:

  • O modelo E@D tem exigido das famílias um esforço heróico para manter um mínimo de progressão académica dos seus educandos, sobretudo nos anos de ensino básico, com consequências negativas, não só nas relações intrafamiliares, como também desempenho profissional parental;
  • A criança precisa de toda uma sociedade para se desenvolver de forma saudável. O E@D não permite a desejável interação professor/aluno e interpares. para além de acentuar diferenças sociais de oportunidades e de estímulo à aprendizagem;
  • A Escola é por direito e dever um ambiente de supervisão de bem-estar global das crianças;
  • Houve uma redução drástica no número de casos referenciados às CPCJ, desde a instauração do estado de emergência e presente estado de calamidade, em comparação com estatísticas de anos anteriores;
  • É também no seio familiar que acontece o maior número de injúrias físicas e psíquicas às crianças e jovens;
  • O próprio Senhor Bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, reconhece que o maior desafio da saúde que se adivinha é no campo da saúde mental.

De todo 2020/21 imprescindívelmente não igual ao fim de 2019/20.

Temos que devolver a escola às crianças e adolescentes para que retomem o seu desenvolvimento minimamente saudável.
Há neste momento mais de 2 meses para:

  • rever curricula (separar o essencial do totalmente dispensável como repetição de matérias em disciplinas diferentes no mesmo ano e de ano para ano, cooperação entre essas disciplinas com redução de tempo de leccionamento total);
  • regressar a turmas com número aceitável de alunos, preferencialmente não mais de 15 alunos;
  • reactivar as escolas que foram abandonadas em prol dos grandes centros escolares,
  • desfasamento de horários…
  • salvaguarda da distância com os mais velhos – e em vez de se ter tele-escola em casa porque não ter lá na própria escola? Com os programas adaptados pela escola, dados por professores, que pela sua idade ou condição podem ser de risco, e seriam auxiliados na sala por outro professor que esclareceria dúvidas, preparado para tal, que não os pais…
  • o número de alunos por turma e a ausência de pessoal auxiliar pode ser um problema, mas com tanto desemprego não haverá pessoas que possam fazer esse papel? Nesta situação de urgência?

A escola é um direito das crianças e jovens definido pelos seus direitos universais. Faz parte integrante da sua construção como cidadão. É dever do Estado criar condições para devolver a escola aos seus jovens e crianças.    

Entretanto já há uma petição em curso no seguinte link:
https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT100873&fbclid=IwAR00l98prdPVkh8KXkEnptYH66MCxo0Qo7BIJy8xaNtodl8keDRFlh3jYHc

A quem fizer sentido proponho que assine e que confirme a sua assinatura acedendo à mensagem que receber no seu email. Só com este passo concretizam a assinatura.
Se, mesmo assim, houver famílias que optem por manter o seu educando com ensino à distância, que essa oportunidade se mantenha, não sem a garantia de supervisão estreita por entidades de direito, externas à família, independentemente das condições sociais ou económicas.

Dr.ª Elsa Martins
Médica Pedopsiquiatra

@ [email protected]

Referências:

1. Declaração dos Direitos das Crianças:
https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/ECidadania/Docs_referencia/declaracao_universal_direitos_crianca.pdf

2. Coronavirus: taxa de mortalidade por idade

https://ourworldindata.org/coronavirus